quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Revirando

A cada carta era um pedaço meu que ressurgia. Há tanto adormecido levantava-se de prontidão, como quem estivera à espera de alguém. De mim mesma.
Fato é que a inspiração continua a tocar a campainha apenas após as dez da noite. E é então que tudo vira motivo. Os pais percebem os olhos longe. O silêncio conduz a uma série inenarrável de palavras, que parecem já ter nascido juntas. Tudo se encaixa e se forma tão perfeitamente que sou levada a acreditar no tal destino. É sintonia.
A novela, os perfumes, o incenso de morango que perdura.
As fotos no chão criam a atmosfera, aliás, não só uma. São os permanentes sonhos que se mostram agora, ainda mais fortes. É, amadureceram sim.
Mais um daqueles instantes palpáveis, mais alguns nas palmas das mãos, na língua afiada, na extremidade de quem aprendeu que sinceridade é tudo, no coração que não se cabe de felicidade, no sorriso que sempre se elogia, e, mais do que nunca, na ponta da caneta de quem aspira e realiza.

domingo, 13 de janeiro de 2008

O encontro

E depois de tanto ansiar, o desperatdor tocou. Ela acordou de seus pensamentos envolventes e começou uma sequência de gestos, afazeres, uma rotina.
O sono já acabara naquela manhã, mas de lá até aqui, com algumas horas decorridas, ela nada fizera além de pensar, refletir, analisar, programar, esquematizar tudo aquilo a que agora dera início.
Levantou-se da cama, dirigiu ao pequeno compartimento no fundo do quarto e tirou do cabide o vestido já passado, a ferro, havia dias. Bege, discreto como ela, sem expor na cor nenhum tipo de emoção, sem mostrar a personalidade. Neutra. A cor e ela.
Despiu a camiseta branca e se pôs dentro do vestido liso, até o joelho. Calçou o sapato do mesmo tom, sem brilho, sem nada.
Encaminhou-se então para o espelho, olhou e abriu um sorriso ao mesmo tom da roupa.
Ela não gostava de maquiagem, no máximo uma base para ajeitar o tom da pele. Tudo em harmonia, nada em destaque..era seu lema.
Passou a manteiga de cacau e se pôs a procurar o tal brinquinho pequeno, presente do pai quando completara 10 anos, 7.3oo dias antes de hoje. Custou a achar, e isso fora do lugar, depois de tanto arquitetar a emergiu em alguns instantes de desespero. Achou-os por fim caídos no chão ao lado de onde calçara os sapatos de pequenos saltos.
Já ia ao encontro da bolsa daquela cor quando tocou o telefone, atendeu de sopetão e não pode disfarçar o tom de desapontamento quando reconheceu a voz do pai, e a mãe ao fundo. Desejaram-lhe felicidade, sucesso e saúde. Ela chegou a se questionar se já não provara a eles possuir tudo isso, não era isso que lhe faltava. Quem sabe se alguém acertasse no desejo, quem sabe?
Desligou então alegando estar atrasada para o tal encontro.
Desceu as escadas do quarto, entrou na sala com a maior leveza. A mesa posta, as velas acesas, o cenário ideal, mas sem cor, sem sentimento, sem nada que não fosse algumas pedrinhas entaladas na garganta.
Sentou-se à mesa e como num estalo, prendeu sua atenção ao aquário, de vidro, a dar destaque ao único corpo em tom diferente. Laranja, prendeu-se ele em seus olhos castanhos.
Glub. Glub.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Conversa com Manoel


Tenho encontros diários com as minhas contradições. Despratiquemos então as normas. Não contemplemos as paisagens. Deixemos que as paisagens nos contemplem. Mudemos as coisas de comportamento. Não é uma questão apenas de mudar o nosso olhar, mas sim, de mudar o olhar do mundo sobre a gente, entende a diferença?
É tudo uma descoberta. Não, nada é procurado. É deixar que se compreendam as coisas depois que já foram feitas. Nada de premeditar. E pra quê programar a vida? Você vai passar o resto dos dias pensando: eu se eu tivesse feito de tal forma? E se mudasse os planos?
Não faça planos. Sonhe.
Não tenha saudade daquilo que você não foi. Guarde as memórias em um lugar seguro, se possível a sete chaves. E se apegue a elas se precisar encontrar o rumo de dentro. Desvie dos palpites, e os conselhos, só ouça os de quem te quer bem. E tenha a certeza de que nessa categoria, não são todas as pessoas que se encontram não.
Quer ver?
Eu sei dizer sem pudor que o escuro me ilumina, e é um paradoxo que me ajuda. Um paradoxo que não se vê, se sente. Que não se explica, se crê. Então seria o caso de que as imagens pintadas com palavras eram para se ver de ouvir, né?
Aja, mesmo que em sua cabeça não pare de soar a frase: “Acho que o que faço agora é o que não pude fazer na infância”.Seja por medo, timidez ou mesmo falta de oportunidade. Faça-o então. Não se preocupe com os olhares alheios. Aliás, até se interesse por eles. Deixem que olhem, faça-os olhar, admirar.
Acho que falta ser um pouco mais bocó mesmo. E veja lá, segundo o nosso dicionário, bocó é sempre alguém acrescentado de criança.
Nós não sabemos nada sobre as grandes coisas da vida, mas sobre as pequenas, temos a incrível capacidade de saber menos ainda.
Lembre-se que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós. E que a beleza se explica melhor por não haver razão nenhuma nela.
O essencial é ir ao encontro de todos os tesouros da vida, o mapa para chegar até eles já foi descoberto por muitos, mas veja bem, não há a menor graça em revelar. Cada busca é única e faz parte do processo. Não vá atrás de sofrimento, mas se ele fizer parte da conquista, enfrente-o com braveza.
Diga exatamente o que pensa e sente quando alguém te agride sem perceber.
Deixe as lágrimas rolarem livremente. Não regule o tom de voz, nem pense duas vezes antes de bronquear, mesmo correndo o risco de cometer uma injustiça, mesmo que mexicanize a cena. Reclame em vez de perdoar e esquecer, em vez de deixar o tempo passar a fim de que a amizade resista, em vez de sofrer quieto em seu canto.
Continuemos a viver com paixão, no entanto com muito mais equilíbrio, em uma nova composição. Continuemos achando algumas pessoas interessantes, porém não fiquemos mais idealizando a performance delas nas nossas vidas.
Consiga trabalhar com a idéia de que as "coisas" podem e talvez até devam ter o seu tempo determinado. E que você sim, precisa viver feliz pra sempre, até que a morte te separe.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Aquele do final do ano


Relatos

Eu voltava para casa, era horário do rush, metrô lotado e eu não tinha sequer a esperança de entrar no vagão e fazer uma viagem tranqüila, eu sabia que seria esmagada por aquela multidão apressada por chegar em casa depois de um dia estafante. Eu estava prevenida, tinha meu mp3 na bolsa, os fones já estavam nos ouvidos, e, ao mínimo eu faria uma viagem musicada.
Entrei, o vagão estava vazio. Estranhei, mas sentei.
Andei uma estação. A porta do vagão se abriu e eu deixei de reparar em qualquer som, me prendi a uma cena específica.
Um velhinho japonês que devia beirar os 80 anos, entrava calmamente no vagão, carregava apenas um bloco de folhas sulfites e se apoiava em sua bengala. Atrás dele vinha correndo uma mulher, carregada de sacolas, enorme e muito apressada. Sem esboçar qualquer tipo de constrangimento ela derrubou o senhorzinho no chão, ao passo em que eu levantei para ajudá-lo a se recompor. Não satisfeita, ela começou a xingar, reclamar e gesticular bravamente que ele a atrapalhara, que estava no meio do caminho.
Ele se sentou à minha frente, e a mulher que o atropelara, ao meu lado.
Eu já havia voltado a me concentrar nas músicas, quando me peguei novamente observando o japonês. Ele tirara uma folha do bloco de sulfites que carregava. Estava fazendo algum tipo de dobradura. Não se passaram dois minutos até que ele tivesse em suas mãos um pequeno tsuru, o pássaro da paz de origem japonesa. Apanhou uma caneta e escreveu Feliz Natal e Próspero Ano Novo, respectivamente em cada uma das asas dobradas. Entregou para a mulher que passara por cima dele, fato, aliás que a deixou sem lugar, não sabia onde se esconder.
Eu, impressionada, retirei os fones de ouvido e olhei para o senhor, como quem esperava por uma explicação. Foi então que ele me disse: “Eu sou igual você, menina, tenho os meus fones de ouvido. Só escuto o que me faz bem. O resto eu ignoro e continuo a ouvir a canção da vida”.
Não faz muito tempo, foi agora mesmo em dezembro. Mas, é impressionante o quanto eu me lembro desse gesto todos os dias, com situações diversas, em lugares diferentes.
Fico imaginando a performance da tal frase na minha, de agora em diante. Não sei se é o choque por ser recente, de fato, eu gostaria muito de continuar me lembrando com perfeição das sábias palavras que ouvi naquele dia, gostaria, aliás, que depois de ouvir esse relato, todos vocês se lembrassem do senhor japonês, se lembrassem de suas palavras, e, mais ainda, lembrassem de tudo isso durante os dias, toda vez em que algum enorme problema, use ele saias ou não, atravessar suas vidas.
De que nos adianta ficar levando tudo a ferro e fogo?
De que adianta implicar por qualquer besteirinha, virar a cara, ficar remoendo?
Pense, a vida não teria metade da graça se tudo fosse simples, se todas as pessoas com quem cruzássemos nos fizessem bem. Saiba relevar, aprender. Cada situação da vida, por mais que na hora pareça um tormento, vem a nos ensinar alguma coisa de útil, algo sem o qual não poderíamos continuar.
E se servir de consolo, lembre-se sempre que quando precisar você encontrará alento tanto dentro de você mesmo, na sua memória, quanto aqui fora, aqui do lado, com a família.
Aquela que por mais implicante que pareça, estará sempre disposta a te ouvir, a te abraçar, a te cercar de amor, carinho, risos e amizade.