terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Aquele do final do ano


Relatos

Eu voltava para casa, era horário do rush, metrô lotado e eu não tinha sequer a esperança de entrar no vagão e fazer uma viagem tranqüila, eu sabia que seria esmagada por aquela multidão apressada por chegar em casa depois de um dia estafante. Eu estava prevenida, tinha meu mp3 na bolsa, os fones já estavam nos ouvidos, e, ao mínimo eu faria uma viagem musicada.
Entrei, o vagão estava vazio. Estranhei, mas sentei.
Andei uma estação. A porta do vagão se abriu e eu deixei de reparar em qualquer som, me prendi a uma cena específica.
Um velhinho japonês que devia beirar os 80 anos, entrava calmamente no vagão, carregava apenas um bloco de folhas sulfites e se apoiava em sua bengala. Atrás dele vinha correndo uma mulher, carregada de sacolas, enorme e muito apressada. Sem esboçar qualquer tipo de constrangimento ela derrubou o senhorzinho no chão, ao passo em que eu levantei para ajudá-lo a se recompor. Não satisfeita, ela começou a xingar, reclamar e gesticular bravamente que ele a atrapalhara, que estava no meio do caminho.
Ele se sentou à minha frente, e a mulher que o atropelara, ao meu lado.
Eu já havia voltado a me concentrar nas músicas, quando me peguei novamente observando o japonês. Ele tirara uma folha do bloco de sulfites que carregava. Estava fazendo algum tipo de dobradura. Não se passaram dois minutos até que ele tivesse em suas mãos um pequeno tsuru, o pássaro da paz de origem japonesa. Apanhou uma caneta e escreveu Feliz Natal e Próspero Ano Novo, respectivamente em cada uma das asas dobradas. Entregou para a mulher que passara por cima dele, fato, aliás que a deixou sem lugar, não sabia onde se esconder.
Eu, impressionada, retirei os fones de ouvido e olhei para o senhor, como quem esperava por uma explicação. Foi então que ele me disse: “Eu sou igual você, menina, tenho os meus fones de ouvido. Só escuto o que me faz bem. O resto eu ignoro e continuo a ouvir a canção da vida”.
Não faz muito tempo, foi agora mesmo em dezembro. Mas, é impressionante o quanto eu me lembro desse gesto todos os dias, com situações diversas, em lugares diferentes.
Fico imaginando a performance da tal frase na minha, de agora em diante. Não sei se é o choque por ser recente, de fato, eu gostaria muito de continuar me lembrando com perfeição das sábias palavras que ouvi naquele dia, gostaria, aliás, que depois de ouvir esse relato, todos vocês se lembrassem do senhor japonês, se lembrassem de suas palavras, e, mais ainda, lembrassem de tudo isso durante os dias, toda vez em que algum enorme problema, use ele saias ou não, atravessar suas vidas.
De que nos adianta ficar levando tudo a ferro e fogo?
De que adianta implicar por qualquer besteirinha, virar a cara, ficar remoendo?
Pense, a vida não teria metade da graça se tudo fosse simples, se todas as pessoas com quem cruzássemos nos fizessem bem. Saiba relevar, aprender. Cada situação da vida, por mais que na hora pareça um tormento, vem a nos ensinar alguma coisa de útil, algo sem o qual não poderíamos continuar.
E se servir de consolo, lembre-se sempre que quando precisar você encontrará alento tanto dentro de você mesmo, na sua memória, quanto aqui fora, aqui do lado, com a família.
Aquela que por mais implicante que pareça, estará sempre disposta a te ouvir, a te abraçar, a te cercar de amor, carinho, risos e amizade.

3 comentários:

sami disse...

Sensível e sincero como precisamos sempre, massagem ao que me resta de terno nos pensamentos.
Ganhastes uma leitora agora =)

Unknown disse...

Sabe...
Lembrei de um velho conto, por um acaso japones, que basicamente dizia o seguinte sobre insultos:
"Se alguém chega até você com um presente, e você não o aceita, a quem pertence o presente?"

Belissima cena a imaginar essa do metro, causou arregalo de olhos!!rs lol
=PPP

Unknown disse...

É inacredítavel, parece cena de filme!

Talvez coisas tão especias só aconteçam com pessoas tão especiais.